"Desculpa lá, mas no meu curso ensinaram-me que o jornalista não deve ter opinião" - interrompeu a I. Terá uns vinte anos de idade e um feitiozinho que lhe irá trazer bastantes dissabores se porventura vier a entrar numa redacção. Ou em qualquer local de trabalho. Até sei em que curso ela anda e francamente custa-me a acreditar que alguém lhe possa ter ensinado aquilo (a não ser que lhe tenham querido refrear os ânimos de menina que tudo sabe, fazendo uma espécie de bluff, tipo "pode ser que pegue e que por uns tempos ela aprenda a estar calada... quem sabe desta forma consiga manter, pelo menos, um estágio...").
Há já umas largas décadas que se abandonou, nas universidades, aquela teoria do jornalista "isento". Nem sei se alguma vez, desde que o jornalismo é "ensinado" ao nível da licenciatura, foi transmitida aos estudantes essa filosofia (pelo menos de forma dominante). Ninguém com dois dedos de testa acredita nisso. A busca da verdade, da transmissão dos factos sem os falsear, o estímulo para que se procure sempre apresentar o maior número possível de pontos de vista para uma determinada questão não significa de forma alguma que se pretenda que o jornalista abdique das suas ideias, opiniões e posições políticas. Antes pelo contrário! De outro modo, qual teria sido o papel dos nossos antecessores no combate à ditadura? E de todos os que, noutros países, se batem, às vezes pagando com a própria vida, pelo direito e pelo dever de informar?
Mas, then, again, talvez nos últimos 15/20 anos, o paradigma se tenha alterado novamente. E se queira adequar os futuros profissionais àquilo que os empregadores (aparentemente) procuram: jovens com pouca ou nenhuma capacidade crítica, sem opinião, incapazes de tomar uma atitude, nem sequer quando o que está em causa lhes diz directamente respeito. Uma geração de funcionários submissos e prontos a aceitar condições laborais e de remuneração que não o são, que não o eram há vinte anos. Condições que lembram, aliás, tempos anteriores à revolução industrial. Pronto, vá lá, contemporâneos desta. Acéfalos trabalhadores em cadeia cujo grau de especialização consiste em saber esticar ou encolher textos de forma a fazê-los caber em páginas pré-formatadas, com um conteúdo previamente encomendado e decidido em reunião de editores, quando não no departamento comercial da empresa. Sim, da empresa, pois trata-se tão somente de vender jornais, revistas ou quejandos como se poderiam vender chouriços ou salsichas. O melhor empregado é mestre na arte do enchido. Sabe como ninguém embalá-lo dentro de um de três celofanes coloridos e mui apreciados pelo patrão: Rosa-sexo, vermelho-sangue, amarelão-escândalo. Tudo o resto "não interessa nada". O espírito de missão, a função de denúncia são espécies em vias de extinção. Pesquisa? Investigação? Esquece lá isso, faz por telefone. E não demores muito que ainda tens de fazer vinte e três chamadas para saber o que a Babá pensa do novo visual da Xuxú (meia página). E ir à festa de lançamento do livro infantil da Pipi para adormecer criancinhas de tédio (página inteira). E dar a conhecer aos leitores a linha de cosméticos da Lelé, a hipercolunável cunhada em terceiro grau do administrador. Na compra de um frasquinho de 10 ml de perfume de azeda a 69 aéreos, está a contribuir com um cêntimo para a obra de solidariedade social da Totó, que por acaso até é prima da mulher do director comercial (página e meia).
Tens razão, I. O jornalista não deve ter opinião. Nem tomates. Nem coluna vertebral. Pensando bem, talvez devesse ser substituído por um robô...
Há já umas largas décadas que se abandonou, nas universidades, aquela teoria do jornalista "isento". Nem sei se alguma vez, desde que o jornalismo é "ensinado" ao nível da licenciatura, foi transmitida aos estudantes essa filosofia (pelo menos de forma dominante). Ninguém com dois dedos de testa acredita nisso. A busca da verdade, da transmissão dos factos sem os falsear, o estímulo para que se procure sempre apresentar o maior número possível de pontos de vista para uma determinada questão não significa de forma alguma que se pretenda que o jornalista abdique das suas ideias, opiniões e posições políticas. Antes pelo contrário! De outro modo, qual teria sido o papel dos nossos antecessores no combate à ditadura? E de todos os que, noutros países, se batem, às vezes pagando com a própria vida, pelo direito e pelo dever de informar?
Mas, then, again, talvez nos últimos 15/20 anos, o paradigma se tenha alterado novamente. E se queira adequar os futuros profissionais àquilo que os empregadores (aparentemente) procuram: jovens com pouca ou nenhuma capacidade crítica, sem opinião, incapazes de tomar uma atitude, nem sequer quando o que está em causa lhes diz directamente respeito. Uma geração de funcionários submissos e prontos a aceitar condições laborais e de remuneração que não o são, que não o eram há vinte anos. Condições que lembram, aliás, tempos anteriores à revolução industrial. Pronto, vá lá, contemporâneos desta. Acéfalos trabalhadores em cadeia cujo grau de especialização consiste em saber esticar ou encolher textos de forma a fazê-los caber em páginas pré-formatadas, com um conteúdo previamente encomendado e decidido em reunião de editores, quando não no departamento comercial da empresa. Sim, da empresa, pois trata-se tão somente de vender jornais, revistas ou quejandos como se poderiam vender chouriços ou salsichas. O melhor empregado é mestre na arte do enchido. Sabe como ninguém embalá-lo dentro de um de três celofanes coloridos e mui apreciados pelo patrão: Rosa-sexo, vermelho-sangue, amarelão-escândalo. Tudo o resto "não interessa nada". O espírito de missão, a função de denúncia são espécies em vias de extinção. Pesquisa? Investigação? Esquece lá isso, faz por telefone. E não demores muito que ainda tens de fazer vinte e três chamadas para saber o que a Babá pensa do novo visual da Xuxú (meia página). E ir à festa de lançamento do livro infantil da Pipi para adormecer criancinhas de tédio (página inteira). E dar a conhecer aos leitores a linha de cosméticos da Lelé, a hipercolunável cunhada em terceiro grau do administrador. Na compra de um frasquinho de 10 ml de perfume de azeda a 69 aéreos, está a contribuir com um cêntimo para a obra de solidariedade social da Totó, que por acaso até é prima da mulher do director comercial (página e meia).
Tens razão, I. O jornalista não deve ter opinião. Nem tomates. Nem coluna vertebral. Pensando bem, talvez devesse ser substituído por um robô...
1 comentário:
Brilhante, dear besta. Máquinas. É. Esquece-se a responsabilidade social ou as causas. Ou a versão idealista dos vigilantes do mundo. Que no meio de tanta "palha" noticiosa consigam ser o olho bigbrotheriano que as instituições deixaram de ser. A vergonha pública ainda consegue pôr um travãozito nos que se julgam invisíveis. Esses meninos sonhadores não sabem o significado da palavra isenção. Mas a isenção, para mim, é "castigar" com a verdade. Transversalmente. Não é puxar a brasa ao partido A ou B. No mínimo, esses robôs inocentes vão servir de pombo- correio a diferentes poderes, sem nunca terem consciência disso. Pode ser imparcialidade para eles. Para mim é ignorância.
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